Era princípio da década de 1940, quando Vinícius Augusto da Silva, de apenas 15 anos, costumava deixar a Fazenda de Coração de Jesus, no município de Claro dos Poções, norte de Minas, montado em lombo de burro na companhia de outros tropeiros para levar a tal da Granfina a Jequitaí e outras cidades da região. Em cada viagem, a comitiva levava duas bimbarras de 40 litros cada no lombo do animal. A bebida, vendida a granel, abastecia as feiras e mercados, de Jequitaí a Montes Claros. "Com o tempo, passamos a fazer venda contratada", relembra seu Vinícius, hoje com 84 anos e produtor da cachaça Branquinha de Minas.
O antigo tropeiro, hoje produtor, começou cedo a descobrir os segredos dos alambiques. Ainda adolescente passou a trabalhar na fazenda do tio Dermeval Santos Silva, comerciante pioneiro que percebeu a demanda por aguardente em sua venda, em Água Boa (atual distrito de Vista Alegre), e a escassez do produto por ali. Naquela época, o tio decidiu produzir a própria cachaça, a Granfina. O comerciante contratou Manoel Pessoa, um alambiqueiro "dos bons" de Salinas, e o levou para a Fazenda Coração de Jesus. Em pouco tempo, Dermeval passou a vender a bebida no balcão e, posteriormente, em toda a região.
Seu Vinícius guarda até hoje boas lembranças da Fazenda Coração de Jesus. Pois foi lá que, além de aprender a ser vaqueiro, arrieiro e administrador, conheceu a menina Maria de Lourdes, filha do tio Dermeval. "Vixe, não tirava os olhos dela. Digo que ela me comprou pra eu trabalhar pro pai dela. Quando a gente se casou ela não tinha 17 anos ainda", lembra-se. Nos tempos da tropa, seu Vinícius partia de Vista Alegre para Montes Claros, numa viagem de 10 léguas – cerca de 65 quilômetros. Ele e a comitiva faziam o caminho em três marchas ou pousos fixos, como se costuma dizer – em Felício Alves, Atoleiro e Montes Claros. Depois, voltavam com carga de feijão, arroz e outros utensílios. "A Granfina ficou muito afamada na época, foi a cachaça boa que apareceu na nossa região. Lembro que até em Pirapora o povo consumia a cachaça do tio Dermeval", relata. A bebida era tão boa que, vez ou outra, o guia da tropa não resistia aos atributos da Granfina. "O Raimundo Preto fazia um canudo com talo de mamoeiro e ficava por ali; quando a gente se entretinha, ele metia o canudo na bimbarra e se esbaldava na nossa cachaça", conta seu Vinícius.
O pioneirismo da cachaça Granfina naquela região de Vista Alegre, Jequitaí e Montes Claros contou com a ajuda dos filhos de Dermeval dos Santos Silva. Em meados da década de 1980, o filho Marcelo dos Santos Reis assumiu a gestão da fazenda e buscou modernizar a produção do alambique, visando a melhorar ainda mais a marca. "Essa época coincide com a criação da Ampaq e com todo aquele movimento de valorização da cachaça mineira. Marcelo percebeu a necessidade de expandir o negócio; ele então comprou novo maquinário, fez treinamentos, tudo para alcançar um outro padrão de qualidade", explica Antônio Augusto da Silva, filho de seu Vinícius e neto de seu Dermeval. "O tio Marcelo resolveu vender a cachaça somente engarrafada, deixando de comercializá-la em barril, o que é uma forma tradicional lá na região de Montes Claros. A fazenda acabou perdendo dinheiro e teve que voltar a vender a granel para o público local", afirma.
Um novo marco na história da Fazenda Coração de Jesus foi iniciado em 2003, quando uma nova geração da família adquiriu a Granfina e a transformou na Indústria Cachaça Água Boa Ltda. Antônio Augusto da Silva passou a ser o diretor. Uma das primeiras decisões foi o registro da marca. "Quando fomos procurar o órgão responsável, descobrimos que a Granfina já havia sido registrada. Ficamos muito tristes, porque tínhamos mais de 50 anos de história com a marca". Por uma peça do destino, a Granfina aposentou- se, sendo substituída pela Branquinha de Minas. "É um sinônimo de cachaça. A gente normalmente diz: desce uma branquinha aí!", explica o diretor.
Além da mudança do nome, os gestores resolveram modernizar o restante do processo produtivo da fazenda, tudo para colocar a cachaça de Claro dos Poções no roteiro das cachaças de qualidade. "A nossa ideia era dar um caráter mais profissional à produção na Fazenda Coração de Jesus. Compramos novas máquinas, passamos a fazer análises químicas regularmente, como também a ter maior cuidado com a matéria-prima e a higiene. A limpeza é fundamental na fabricação da cachaça", afirma Antônio Augusto. As mudanças em busca de qualidade resultaram na obtenção, em 2009, do selo de qualidade Inmetro, vinculado ao Programa Nacional de Certificação da Cachaça (PNCC), ação do Sebrae Nacional, Inmetro e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). "Nós já havíamos feito muitas mudanças estruturais em 2003, por esse motivo tivemos somente que redefinir normas de trabalho e registrar as tarefas diárias para receber a certificação".
A principal mudança com a certificação é a ênfase na qualidade, melhorando- se ainda a produtividade e reduzindo-se o nível de perda de materiais, como o fermento. Há também maior controle dos padrões de acidez, de teor alcoólico e da composição química. Além do padrão de qualidade do produto, a certificação possibilitou à Branquinha de Minas um aumento de produção da ordem de 30%.
Atualmente, a Indústria Cachaça Água Boa Ltda. consegue vender 80% da produção anual no norte de Minas, Região Metropolitana de Belo Horizonte, e nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Rio Grande do Norte, Bahia e Rio Grande do Sul. A principal forma de comercialização da marca tem sido por meio de distribuidores, além da venda direta. Entre as ações de divulgação, destaca-se a participação em feiras do setor como a Feira e Festival Internacional da Cachaça (ExpoCachaça) e a Feira do Food Service em Minas Gerais (Technobar). De acordo com o produtor Antônio Augusto, a previsão é ampliar a produção da Fazenda Coração de Jesus nos próximos anos, alcançando o volume estimado de 300 mil litros.
A cachaça Branquinha de Minas tem teor alcoólico de 38%, com coloração dourada após envelhecimento em barris de castanheira-do-pará durante dois anos. É uma aguardente suave, com baixo teor de acidez, resultado do controle de todo o processo de produção. "A Branquinha de Minas busca unir atradição dos alambiqueiros da época do meu avô Dermeval com a tecnologia e a qualidade deste novo tempo. Tudo para que a cachacinha desça suave e prazerosa. E que não traga consequências no outro dia", brinca Antônio.